Data Escolhida: 02 de Maio de 1933
Assunto: Juliano Moreira
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Juliano Moreira (1873-1933) |
Filho do português Manoel do
Carmo Moreira Júnior, inspetor de iluminação pública, e de uma empregada
doméstica, Galdina Joaquina do Amaral, Juliano Moreira era negro e pobre.
Nascido em 06 de Janeiro de 1873, no bairro da Sé em Salvador – BA, sua mãe
trabalhava na casa de Luís Adriano Alves de Lima Gordilho, o Barão de Itapuã, e
somente após a morte dela, Juliano então com 13 anos de idade, é que foi
reconhecido como filho por seu pai e ingressou no curso de Medicina, motivado
por seu padrinho que era médico e professor da Faculdade de Medicina da Bahia,
o Barão de Itapuã.
Formou-se em 1891, aos 18
anos, com a tese de doutoramento sobre Etiologia da Sífilis Maligna Precoce.
(Segundo Afrânio Peixoto, essa Tese mereceu honrosas referências do sifilógrafo
Buret e do neurólogo Raymond). Enquanto esteve na Bahia, Juliano Moreira criou,
em 1894, juntamente com Nina Rodrigues, Pacheco Mendes, Alfredo Britto e outros
médicos, a Sociedade de Medicina e Cirurgia e a de Medicina Legal da Bahia.
Atuou também como médico da Inspetoria de Higiene, atendendo a população
carente em cidades próximas a Salvador.
Aos 23 anos, Juliano Moreira
passou num concurso para o cargo de assistente da cátedra de Clínica
Psiquiátrica e Doenças Nervosas da Faculdade de Medicina da Bahia, com a tese
sobre as 1
Discinesias arsenicais. Durante o exame, estudantes e curiosos
acompanharam atentamente a realização de todas as provas, já que a maioria dos
membros da banca examinadora era composta por escravocratas que não viam com
bons olhos o ingresso de um mestiço. Quando finalmente Juliano Moreira foi
aprovado, a comoção foi geral.
Trecho de reportagem do
Correio da Bahia-Repórter, de 30 de julho de 2001:
“Ainda era cedo, os
portões da Faculdade de Medicina da Bahia nem tinham sido abertos, mas já havia
um movimento intenso de estudantes no Terreiro de Jesus. É que eles ardiam em
curiosidade para conhecer o resultado do concurso para professor que,
finalmente, seria divulgado. Os estudantes tinham acompanhado tudo de perto,
lotando o salão nobre em cada uma das fases: prova prática, de didática e
defesa de tese. O objetivo era evitar “marmelada”, afinal, eles sabiam que não
seria fácil para o jovem médico negro Juliano Moreira vencer um concurso numa
instituição com fama de racista, frente a uma banca examinadora
majoritariamente escravocrata. A libertação dos escravos, com a assinatura da
Lei Áurea, tinha acontecido há apenas oito anos. Foi por isso que, naquela
manhã de maio de 1896, quando finalmente entraram no prédio, os futuros médicos
mal puderam acreditar no resultado afixado no mural: ao todo, Juliano tinha
recebido 15 notas dez. A vaga era dele. Aquele foi um dia memorável para todos
os estudantes, que comemoraram até altas horas a vitória do mérito sobre o
preconceito”.
Em seu discurso de posse, ao
ser aprovado no concurso para professor da Faculdade de Medicina da Bahia,
Moreira fala de forma elegante e contundente com relação ao marcante
preconceito de cor na sociedade brasileira de então. Endereçando-se "(...)
a quem se arreceie de que a pigmentação seja nuvem capaz de marear o brilho
desta faculdade (...)".
Em 1899 ele fez uma
conferência divulgando as ideias de Sigmund Freud, o que o fez ser considerado
o percursor da Psicanálise no Brasil. Seu espírito aberto e inquieto não
ignorou a psicanálise; tendo domínio do alemão, conhecia as obras de Freud e
tinha uma avaliação crítica delas. Numa resenha em que elogiou o livro de
Franco da Rocha, "O pansexualismo na doutrina de Freud" (1920),
referiu que a Sociedade Brasileira de Neurologia vinha promovendo palestras de
divulgação da psicanálise e comentou, com sua ironia peculiar, que esta era
pouco conhecida no país porque "No Brasil, em geral os colegas, em
obediência à lei do menor esforço, aguardam que as ideias e as doutrinas passem
primeiro pelo filtro francês para que nos dignemos a olhá-las contra a luz
(...)".
De 1895 a 1902, frequentou
cursos e estágios sobre doenças mentais e visitou muitos asilos na Europa
(Alemanha, Inglaterra, França, Itália e Escócia). Mas, além de viagens de
estudos, já era obrigado a procurar especialistas e clínicas para consultas
sobre sua própria doença, tuberculose. Com
a doença controlada obtém uma nova licença e viaja para a Europa em busca de
melhor tratamento, internando-se posteriormente num sanatório na cidade do
Cairo no Egito, onde conhece Augusta Peick, enfermeira alemã, de Hamburgo. Os
dois se casaram no início da década de 1910 e vieram juntos para o Brasil.
A vida na Bahia não estava
fácil para Juliano, se por um lado era querido pelos alunos e admirado pelos
colegas, por outro se sentia preso às amarras de um sistema hierárquico
discriminador. Foi então que surgiu o convite do Ministro José Seabra para
mudar-se para o Rio de Janeiro e assumir o Hospício Nacional de Alienados.
De 1903 a 1930, no Rio de
Janeiro, dirigiu o Hospício Nacional de Alienados. Neste,
embora não fosse
professor da Faculdade de Medicina do Rio, recebia internos para o ensino de
psiquiatria. Aglutinou ao seu redor médicos que viriam a ser, eles também,
organizadores ou fundadores na medicina brasileira, de diversas especialidades:
neurologia, psiquiatria, clínica médica, patologia clínica, anatomia
patológica, pediatria e medicina legal, tais como Afrânio Peixoto, Antônio
Austregésilo, Franco da Rocha, Ulisses Viana, Henrique Roxo, Fernandes
Figueira, Miguel Pereira, Gustavo Riedel e Heitor Carrilho, entre outros.
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Hospício Nacional de Alienados Foto: Scielo.br |
Durante seu trabalho como
diretor do Hospício Nacional dos Alienados, no Rio de Janeiro, humanizou o
tratamento e acabou com o aprisionamento dos pacientes. Foi neste período, que
o hospital recebeu o líder da Revolta da Chibata, João Cândido, para tratamento
de uma "psicose de exaustão". Em 18 de abril de 1911, o
"Almirante Negro", que cumpria pena na Ilha das Cobras, foi transferido
para o Hospital dos Alienados, por ter sido considerado doente mental. Ali, ele
permaneceu durante dois meses conseguindo passar relativamente bem, fazendo
amizade com alguns enfermeiros e conseguindo, inclusive, que fizessem vista
grossa para alguns passeios pela cidade. Ao final de dois meses, sem
justificativa plausível para sua permanência no hospital, João Cândido foi
levado de volta ao presídio da Ilha das Cobras.
Defendeu a ideia de que a
origem das doenças mentais se devia a fatores físicos e situacionais, como a
falta de higiene e falta de acesso à educação, contrariando o pensamento
racista em voga no meio acadêmico, que atribuía os problemas psicológicos da
população brasileira à miscigenação. Enquanto muitas teses afirmavam que as
populações dos países mestiços eram mais suscetíveis às doenças mentais,
Juliano Moreira negava essa possibilidade.
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Raimundo Nina Rodrigues |
A posição de Moreira era
minoritária entre os médicos, na primeira década do século XX, época em que ele
mais diretamente se referiu a esta divergência, polemizando com o médico
maranhense 2
Raimundo Nina Rodrigues. Também desafiava outro pressuposto comum à
época, de que existiriam doenças mentais próprias dos climas tropicais. Convém
ressaltar que a teoria da degenerescência nunca seria colocada em questão por
Moreira, mas apenas os seus fatores causais. Para ele, na luta contra as
degenerações nervosas e mentais, os inimigos a combater seriam o alcoolismo, a
sífilis, as verminoses, as condições sanitárias e educacionais adversas, enfim;
o trabalho de higienização mental dos povos, disse ele, não deveria ser afetado
por "ridículos preconceitos de cores ou castas (...)".
No Hospício Nacional de
Alienados introduziu práticas que refletiam seu profundo conhecimento do campo
psiquiátrico mundial. Uma das primeiras
medidas tomadas por ele foi a separação das crianças dos pavilhões de adultos,
colocando-as num local especial para elas. O médico tomou ainda medidas
revolucionárias ao propor que no lugar de coletes, camisas de força e grades,
fosse adotada a klinoterapia (terapia pelo repouso), além do trabalho em
oficinas, foram instalados laboratórios de anatomia patológica e de bioquímica
no hospital; remodelação do corpo clínico, com entrada de
psiquiatras/neurologistas e outros especialistas (de clínica médica, pediatria,
oftalmologia, ginecologia e odontologia).
Sua atuação institucional
incluiu a organização da "Assistência aos Alienados", mais tarde ganhou
o nome de Serviço Nacional de Assistência aos Psicopatas, tendo redigido, em
1903, uma proposta de reforma do Hospício Nacional e insistido junto ao governo
para a aprovação da legislação federal de assistência aos alienados, promulgada
em 22/12/1903.
Um fato histórico, pouco
divulgado, foi a visita de Albert Einstein ao Brasil em 1926, ou em 1925, há
controvérsias sobre as datas. O cientista ficou hospedado no Hotel Glória do
Rio de Janeiro, e no dia sete de maio falou para o mundo científico brasileiro
na sede da Academia Brasileira de Ciências. Sua conferência foi apresentada em
francês e o assunto era extremamente atual na época: Resultados obtidos na
Alemanha nos Estudos sobre a Natureza da Luz, comparando a teoria ondulatória e
a dos quantas. (Esta conferência foi publicada no Vol.1 número 1 pág.1:3 da
Revista da Academia Brasileira de Ciências).
Einstein surpreendeu-se ao
encontrar na presidência dos trabalhos um senhor de olhos grandes e
penetrantes, pele escura, e franzino. Era Juliano Moreira, presidente da ABC e
reconhecido pela inteligência brasileira não só como um grande médico, mas
“como um sábio, no mais amplo e rigoroso significado dessa expressão.”.
Em novembro de 1930, o novo
presidente – Getúlio Vargas – dissolve o Congresso Nacional, as câmaras e as assembleias
estaduais. Nomeia interventores nos Estados, mantendo seus compromissos com as
oligarquias dissidentes. Em 8 de dezembro de 1930, Juliano Moreira é destituído
da direção do Hospital Nacional de Alienados, onde também morava. Aposentado,
foi morar num hotel em Santa Teresa. Mantinha visitas a alguns de seus
pacientes particulares no Sanatório Botafogo, de Ulysses Vianna, ou às sessões
da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina. Em 17 de
novembro de 1932, retornaria pela última vez à Sociedade que fundara, para uma
sessão solene.
A tuberculose avançava.
Miguel Couto, seu médico, decide encaminhá-lo para a Serra de Petrópolis.
Hospeda-se na residência de Hermelindo Lopes Rodrigues, um dos seus maiores
discípulos. Faleceu em 2 de maio de 1933, no Sanatório de Correias, na cidade
de Petrópolis, onde se internara para tratamento de tuberculose. Não deixou
filhos.
Juliano Moreira foi o
primeiro psiquiatra brasileiro a receber reconhecimento internacional e não é
exagero dizer que nenhum outro depois dele conseguiu alcançar sua proeminência
e aceitação internacional. A história e relatos documentados não negam a
genialidade de Juliano Moreira. Dentre seus feitos históricos e pioneiros
estão:
* Foi
o primeiro pesquisador a identificar a leishmaniose cutâneo-mucosa e buscou
provar que a questão racial não motivava as doenças.
* Explorou
a sifilografia, parasitologia, dermatologia, infectologia e
anatomia patológica.
* Participou
da Escola Tropicalista da Bahia e contribuiu por uma década com o conteúdo da
Revista Gazeta Médica da Bahia, da qual era redator principal.
* Criou
laboratórios dentro dos hospitais e introduziu a técnica de punção lombar e do
exame céfalo-raquidiano como diagnóstico neurológico.
* Criou
o Manicômio Judiciário, em 1911.
* Foi
membro da Diretoria da Academia Brasileira de Ciências entre 1917 e 1929, entrou
ocupando a vaga de Oswaldo Cruz, e exerceu o cargo de Presidente nos três últimos
anos de sua participação na Academia.
* Foi
também membro de diversas sociedades médicas em todo o mundo. Dentre as
instituições internacionais das quais fez parte, incluem-se a Anthropologische
Gesellschaft (Munique), a Societé de Medicine (Paris) e a Medico-legal Society
(Nova York).
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Colônia Juliano Moreira - Foto: Glu23.wordpress.com |
* Uma
das medidas mais importantes defendidas por Juliano Moreira foi a criação de
uma colônia agrícola, no terreno comprado por ele, foi inaugurado em 1924 a
Colônia de Psicopatas-Homens, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e em 1935
denominada Colônia Juliano Moreira.
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Instituto Municipal Nise da Silveira Foto: Wikimapia |
* É
de Juliano a iniciativa de construir no Engenho de Dentro uma colônia para
mulheres, hoje conhecido como 3 Instituto Municipal Nise da
Silveira.
* As
Sociedades Japonesas, de Berlim e Hamburgo de Neurologia e Psiquiatria
elegeram-no membro Honorário. Assim como a Sociedade Médica de Munique e a Cruz
Vermelha Alemã, a Universidade de Hamburgo conferiu-lhe a Medalha de Ouro, que
é a maior honra dada a um professor estrangeiro. Além de ter recebido do
Imperador Hiroshito, em visita a Tóquio/Japão, a Ordem do Tesouro Sagrado.
* Na
Sociedade Brasileira de Neurologia, Psychiatria e Medicina Legal ele recebeu o
título de Presidente Perpétuo.
1 Discinesia (do grego, dys- distúrbio, e
kinesia movimento) é um termo médico para os diversos tipos de movimentos
musculares anormais, involuntários, excessivos, diminuídos ou ausentes. É um
dos sintomas de diversos transtornos neurológicos ou podem ser causados por
medicamentos.
2 Nina Rodrigues foi um dos introdutores
da antropologia criminal, da antropometria e da frenologia no país. Em 1899
publicou Mestiçagem, Degenerescência e Crime, procurando provar suas teses
sobre a degenerescência e as tendências ao crime dos negros e mestiços. Os
demais títulos publicados também não deixam dúvidas sobre seus objetivos:
"Antropologia patológica: os mestiços", "Degenerescência física
e mental entre os mestiços nas terras quentes". Para ele, negros e os
mestiços se constituíam na causa da inferioridade do Brasil. Segundo Nina, a
inferioridade do negro – e dos não brancos – seria "um fenômeno de ordem
perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvimento
filogenético da humanidade nas suas diversas divisões e seções". No Brasil
os arianos deveriam cumprir a missão de não permitir que as massas de negros e
mestiços pudessem interferir nos destinos do país. "A civilização ariana
está representada no Brasil por uma fraca minoria da raça branca a quem ficou o
encargo de defendê-la (…) (dos) atos antissociais das raças inferiores, sejam
estes verdadeiros crimes no conceito dessas raças, sejam, ao contrário,
manifestações do conflito, da luta pela existência entre a civilização superior
da raça branca e os esboços de civilização das raças conquistadas ou
submetidas". Nina Rodrigues é identificado com um personagem professor
Nilo Argolo, do livro Tenda dos Milagres, de Jorge Amado. O nome do livro
escrito pelo personagem é Mestiçagem, Degenerescência e Crime, o que o liga
diretamente a Nina Rodrigues.
3 A Colônia de Alienadas de Engenho de
Dentro foi criada em 1911, para receber alienadas indigentes oriundas do
Hospício de Pedro II. A história do hospício confunde-se com a história da
psiquiatria no Brasil, e os documentos que foram produzidos a partir da sua
inauguração traçam um panorama das condições de tratamento e da vida dos
alienados no hospício. A partir da década de 30, após transferência do hospício
para antiga Colônia, nesse período denominado Centro Psiquiátrico Nacional,
essa documentação foi dispersa para diversas instituições, sendo que grande
parcela ficou alocada em Engenho de Dentro. Em 1999, com a municipalização
passa a ser denominado Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da
Silveira, atual Instituto Municipal Nise da Silveira. O Instituto detém a
guarda dos acervos arquivístico e bibliográfico originários do antigo Hospício
de Pedro II.
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