Após o jejum de quase dois anos sem nossos principais rituais do reinado de Momo na cidade do Rio de Janeiro em decorrência de uma pandemia mundial, os desfiles das escolas de samba finalmente aconteceram no mês de abril, mês em que já temos outras comemorações tradicionais como; o Domingo de Ramos, Dia do Índio, Sexta-feira Santa, Sábado de Aleluia, Domingo de Páscoa, São Jorge e Tiradentes. A escolha por essa data não poderia ser em minha humilde opinião mais assertiva, pois foi incluída entre dois feriados municipais, não alterando tanto assim as atividades dos envolvidos no processo.
Mas, não foi fácil para ninguém do
samba interromper seus projetos mais uma vez por conta de um vírus mortal,
afirmo que muitos chegaram a achar que a peste não iria embora nunca mais, eu
fui um desses, que declarava aos quatro ventos o quanto estava cansativo esse
recesso, foram escolas particulares fechando, aulas online com menos de trinta por cento dos alunos assistindo, pessoas
perdendo emprego, moradores sendo despejados ou voltando para casa de seus
parentes por não poderem quitar seus alugueis, muitos imóveis fechados, pessoas
lutando por um osso na lixeira dos supermercados e açougues e muita gente
morrendo, e se contaminando, por sinal, ainda estamos com algumas feridas
abertas devido as sequelas deixadas pelo Corona Vírus.
Muitos acharam prudente o
cancelamento do evento por achar que seria mais sensato preservar vidas, muitos
faziam boicote aos desfiles em redes sociais, com intuito de nos deixar com a
máxima culpa, esses mesmos que não deixaram de frequentar bares, festas
privadas, viagens e muita, mas muita aglomeração no transporte público. Por
outro lado, os amantes do rito defendiam que não se tratava apenas de folia. Foram
dois ou mais lados se pronunciando e todos com seus argumentos, alguns
plausíveis, mas a maioria com o cunho político e partidário. Cheguei a ler também
que um dos motivos reais para o cancelamento seria a falta de material para a
construção de fantasias e alegorias, o povo do samba criticava ausência de
produtos específicos, e os altos valores postos nos poucos balangandãs que
estavam no fim de estoque das lojas especializadas.
No entanto, são milhões em dinheiro circulando
na cidade e que é benéfica para a economia criativa e para os cofres públicos,
portanto, todos saem ganhando com os desfiles das escolas de samba, são os
fabricantes, os vendedores, inclusive os ambulantes, que são comerciantes
informais e que também necessitam quitar suas dívidas e levar o pão para seus
lares, a rede hoteleira, pontos históricos que servem de recepção aos
visitantes, mas seríamos pegos de calça arriada com uma nova onda da COVID19 há
quase um mês antes da data marcada previamente pelo calendário católico. A
possibilidade de transferência de data causou um rompimento entre os gestores e
foliões, primeiro porque teríamos problemas com os ingressos já vendidos e o
outro problema seria a devolução para os turistas que não poderiam permanecer
por mais tempo na cidade.
A proposito será que ainda é cedo para
sabermos se a atitude na realização do evento trará mais consequências
positivas ou negativas? Independentemente da resposta que teremos não se pode deixar
de alegar que corremos riscos sim, e conscientes, tendo em vista que na China
ainda estão em lockdown. No entanto, o povo foi às ruas, adquiriram suas
fantasias, compraram seus ingressos de arquibancada, frisa, camarotes e até os
ambulantes do entorno podiam assistir de seus televisores e celulares dentro de
suas barracas a sua escola favorita desfilar, isso demonstra que independente
do risco, era algo necessário a ser corrido por cada um dos envolvidos.
O amor ao nosso tradicional carnaval
era sentido por muitos integrantes de forma diversa, muita gente chorando ao lembrar
da batalha que foi para colocar o carnaval na avenida, das perdas dos entes
queridos, do orgulho na conclusão do trabalho artístico artesanal, de
finalmente poder colocar na pista o seu melhor que é o pavilhão com seu enredo
todo pronto ou não, recheado de inúmeras vidas afetadas ou não, com histórias e
vivencias diferentes trazidas para avenida por cada componente, seja brincante,
técnica ou artística.
Na Marques ou na Intendente Magalhaes,
os dois principais palcos de apresentação das muitas escolas de samba esteve
pronto em tempo para as agremiações passarem, incluindo as agremiações de fora
do município. Na estrada Intendente Magalhaes, no bairro de Campinho, divisão
entre Madureira e Jacarepaguá, é onde desfilam as escolas que lutam para chegar
entre as mais ricas na Marquês, vimos de tudo, escolas que nem chegam a ”botar
o bloco na avenida” por não conseguirem concluir seus trabalhos, escolas com
poucos integrantes outras com mais integrantes, mas o destaque principal foi o
povo abraçando, curtindo e levando a família inteira para as arquibancadas e
barracas de gastronomia ao som de muito samba e regada a uma boa cervejinha
gelada.GRES Vicente de Carvalho
Foto by @f.calixtofotografia
É na Intendente que encontramos o
carnaval conhecido como o “carnaval do povo” e que a cada ano se torna maior, mais
assistido e mais estruturado, os projetos para as melhorias são antigos, mas é com
um passo de cada vez que conseguiremos trazer comodidade. E quem ganha é o
folião, o julgador e o público, o carnaval desse ano pela primeira vez tem a
transmissão da TV Alerj, possibilitando acesso àqueles que optaram por ficar em
casa.
Mais estruturado com o lançamento da Revista
Prêmio Machine que foi distribuída para o público, jurados e jornalistas. A
revista possibilitou o acompanhamento dos enredos, da ficha técnica de cada
agremiação, sendo o primeiro documento público a ter uma relação atualizada e
disponibilizada com nomes e cargos de profissionais e artistas, facilitando
assim o trabalho de todos os profissionais envolvidos com a festa.
Na Marques de Sapucaí, mais
especificamente nas duas primeiras noites encontramos a série ouro, as
agremiações que lutam para ir para o especial, também é o mesmo grupo de
escolas que subiram da Intendente Magalhaes e que se não tiverem boas
colocações voltam para lá. Esse grupo em específico contou com muitas escolas
que já fizeram lindos desfiles no grupo especial, Também encontramos escolas
que sobem e descem e para ser sincero estou falando do grupo mais gostoso de
desfilar por não ter a mesma pressão do grupo especial. Esse grupo sofreu
também com a escassez de material, inclusive algumas agremiações fizeram
mutirão para concluir suas obras, sofreram com a falta de integrantes, o que
até então era muito raro.
Será que os desfilantes estão realmente
cansados de tantos ensaios como muito foi argumentado, ou será que, a geração
que amava sair desfilando em dez ou dezesseis escolas estão envelhecendo? Eu
tiro por mim que desfilava em duas comissões de frente e ainda vinha em mais
três escolas como guardião ou composição de carro, mas isso já tem um tempinho,
né? Hoje em dia eu só desfilo para não ficar triste e deprimido vendo meus
amigos passando e venho somente em duas e está bom!
Esse fato me fez lembrar o sumiço
gradativo das baianas, muitas migrando para o protestantismo, ou cansadas de
ter que desfilar com fantasias muito pesadas. Eu amo as baianas e a velha
guarda, e esse ano eu pude sentir a felicidade nelas, porque elas sobreviveram,
por isso esse carnaval é o começo de uma nova era, com novos valores para cada
uma delas, como eu amo os cabeças brancas das agremiações, são meus verdadeiros
Griot’s. Meus respeitos!
Não posso deixar de falar das polêmicas
notas indevidas que algumas escolas ganharam e das que já eram dadas como
campeãs antes mesmo de se apresentarem. O fato é que todas merecem ganhar o prêmio,
o prêmio da superação, o prêmio de melhor homenagem, enfim. Todos os anos
assistimos inúmeros bate-boca entre os torcedores nas redes sociais, são
inúmeras acusações e meias verdades sendo postadas, são muitos julgadores
formados pelo google e embasados
pelos comentários e áudios que circularam nos grupos de WhatsApp. Lamento essas movimentações porque prejudica a imagem do
evento e tira a credibilidade de nossa festa, que foi tão linda e tão
necessária para todos nós.
Sobre o grupo especial, sem palavras
para os erros primários em algumas escolas que por errarem metragem de carro e
não testarem seus mecanismos acabaram entrando com carros danificados pelas
arvores e o viaduto localizados na concentração, como se os obstáculos tivessem
sido criados na semana do carnaval; o despreparo dos diretores de carnaval e
harmonia que foram incapazes de sequer lerem o regulamento da LIGA, e com isso
perderam pontos em obrigatoriedades, descumprindo normas pré-estabelecidas
entre a Liga e os gestores.
Citarei alguns exemplos: Os carros acoplados
da minha querida Mocidade que enguiçou em frente aos jurados, respectivamente
os módulos quatro e cinco, quando na verdade se os responsáveis colocassem
lençóis, cordas ou correntes entre os tripés que formavam um único elemento não
perderiam o décimo que poderia mudar completamente sua pontuação.
O globo no alto do carro da Portela
que chegou arriado. Ele foi erguido antes de passar por baixo do viaduto, na
hora da passagem o elevador enguiçou e não conseguiu desviar o elemento cênico
causando uma enorme fissura na escultura.
E para finalizar, a minha
queridíssima Beija-Flor com composições que poderiam ter entrado no carro
alegórico bem antes de passar pelo viaduto, a falta de tempo hábil dificultou a
subida de três personagens, obrigando a direção do carro a arrancar os santos Antônio
- nome dos bastões onde nos seguramos nos carros alegóricos. Resultado, a
escola já havia enviado o “abre alas” informando a quantidade de brincantes, e
com isso o rolo compressor perdeu ponto em alegorias nos mesmos dois módulos supracitados
no caso da Mocidade Independente.
E para concluir eu deixo aqui a minha
felicidade em ter podido acompanhar de perto todo o processo criativo das
agremiações, desde a concepção dos enredos, a escolha dos sambas de enredo, os
ensaios, os comentários nas páginas das agremiações, as demissões, as
contratações, as renovações de contratos, os incidentes e acidentes e todo os
bastidores da maior festa popular do mundo.
Orgulho!
Sobre o resultado para a Grande Rio,
foi a vitória de uma agremiação que sempre perdeu para ela mesma, mas nunca
perdeu a esperança de acertar e gradativamente veio trazendo menos artistas,
menos enredos embranquecidos e patrocinados para a alegria do povo, do chão da
escola e dos sambistas que já não gritam
mais as palavras: “linda”, “maravilhosa”, para as personalidades enxertadas nas
agremiações, eu sinto muito orgulho dessa consciência mesmo que tardia, de que
se não samba não deve estar no lugar de passista, venha no carro alegórico,
venha em uma ala, mas não ceife o sonho de meninas, moças e mulheres pretas, ou,
da comunidade que merecem e lutam para ter seu talento valorizado. Isso serve
para todas as escolas, da Intendente Magalhaes à Marques de Sapucaí.
O carnaval de 2022 será marcado como o carnaval do empoderamento, da valorização a ancestralidade, do respeito as religiões de matrizes africanas, do orgulho de ser preto, da sororidade, do olhar mais crítico, do se redescobrir preto independentemente da quantidade de melanina em nossa pele, da resistência, do tambor que voltaram a ecoar com muito mais força e disposto a invocar nossos antepassados para estarem conosco na saudação e louvação a Exú, depois a todos os Orixás, aos Erês e aos que passaram antes de nós, são os responsáveis pelo legado que nos foi deixado para que possamos seguir e passar o bastão às novas gerações que desfilam no último dia de carnaval na Marques de Sapucaí, ainda sem patrocínios e público, mesmo com a entrada franca.
O que será que nos aguarda em 2023?
Daqui a pouco eu te conto, o carnaval vem logo aí!
Paulo Cesar Alcantara
Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirMuito sensato! Vc sabe ,conhece e vive o Carnaval.
Precisamos de mais pessoas inteligente sobre o assunto como vc.
Bravo 👏🏾 👏🏾 👏🏾 👏🏾 👏🏾 👏🏾
Muito obrigado, sempre tive vontade de escrever, mas nunca gostava do que eu escrevia, esse é o primeiro texto que eu gostei de escrever. Gratidão
ExcluirBrilhante👏👏👏👏👏
ResponderExcluirObrigado queridão, que venham mais textos!
ExcluirSensatez e excelência em retratar com tanta propriedade. Sigo aprendendo com vocês
ResponderExcluirObrigado queridão
ExcluirParabéns pelo belo e esclarecedor texto. Onde passamos por todo mundo do carnaval ,com perdas, momentos difíceis e por problemas carnavalescos, passamos por tudo e estamos firmes, com a promessa de um carnaval no futuro próximo 2023
ResponderExcluirFoi esse o intuito do texto, valeu!
ExcluirParabéns pelo texto, uma incrível narrativa do que vivemos esse ano. Apimentado de muito conhecimento. Que venha 2023!👏👏
ResponderExcluirObrigado, não deixe de nos seguir!
ExcluirVocê merece todos os elogios do mundo. Pois, você fez do seu trabalho uma arte e esse texto é mais uma de suas obras primas.
ResponderExcluirConcordo plenamente com o comentário acima, de que precisamos de pessoas como vc.
Muito, muito obrigado!!!!
Bravooooo👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿
Obrigado Márcia, de verdade!
ExcluirEu diria: O Samba Sambou!!! Os desfiles da Sapucaí não considero há muito tempo um Carnaval pra turistas e uma disputa desleal. Aonde o poder é o nome prevalece. Já na intende como foi dito acima ainda tem o Carnaval do povo. Se as coisas seguir por esse caminho será triste o fim dos desfiles das chamadas Escolas de Samba. Mas uma coisa eu tenho que concordar. São escolas de Elite.
ResponderExcluirMeu querido amigo Paulo Alcântara, vc é um grande artista pelas linhas escritas, pela linda mensagem que vc descreve pelo Samba, parabéns amigo
ResponderExcluirMuitíssimo obrigado. Grande abraço
ExcluirComo sempre impecável esse texto narra direitinho o que sentimos de vivemos na avenida, querido Paulo você brinca com as palavras dizendo exatamente o que pensamos e sentimos. E melhor como vemos e que muitas vezes não sabemos dizer! parabéns👏!!!! por saber dizer ,tudo que pensamos e gostaríamos e sentimos !🤩
ResponderExcluirInteressante sua análise sobre as baianas, é fato, diminuíram o número de componentes mesmo. Fiquei na Intendente Magalhães direto, e essa falta está trazendo de volta as 'baianas de bigode', e olha que na Intendente eram de barba, bigode e costeletas, rs, inclusive um dos carnavalescos da Grande Rio veio de baiana em pelo menos 04 agremiações que eu tenha contado. Outro fato relatado por vc, a estrutura da Intendente está mudando, sem chuva é um excelente programa para as famílias, e mesmo no dia do temporal as arquibancadas estavam cheias.
ResponderExcluirPor fim, excelente artigo, PARABÉNS!!🌻